Sempre que me vem à mão o Torga da Criação, rendo-me, devagarinho, a este criador seco por fora e acolchoado por dentro.
Ele que a páginas tantas escolhera a cidade onde Rodrigues Lobo e Eça de Queiroz também se haviam instalado, não sei se inspirado pelo poeta de “Corte da Aldeia” se pelas paginas do Crime de um tal Padre, Amaro de nome, de um romancista de génio e por lá abriu banca de jovem médico. E por ali ficou algum tempo naquela “cidade literária, livresca, de papel e tinta, habitada pelos fantasmas que trouxera na imaginação”, mas que “dava insensivelmente lugar a uma outra de pedra e cal, povoada por criaturas de carne e osso, reais, a cruzar as deixas no limitado chão dos seus enredos…”.
Afinal, como tantas outras, “… mesquinhas, bisbilhoteiras, domésticas, onde todos os passos tinham não sei que falsa direcção, onde a importância das pessoas se avaliava pela inclinação das vénias recebidas e o ar parecia mais rarefeito aos domingos…”*
* A Criação do Mundo IV, Miguel Torga
O Quinto Dia
1ª edição, Coimbra, Março/Abril 1974