O lugar dos livros impossíveis!

Agora, que termina a feira dos frutos secos aqui em Torres Novas, recordo-me de alguém, negociante de figos algarvios que, já lá vão 101 anos, foi Presidente da República, eleito a 6 de Agosto de 1923.

Manuel Teixeira-Gomes, foi uma figura desconcertante. Algarvio de Portimão, seminarista e estudante de Medicina em Coimbra, passou pelo Porto, por Lisboa, sabe-se lá por onde. Amigo de José Relvas, João de Deus, Fialho de Almeida, foi um homem dos sete ofícios.

Ao negociante de figos algarvios, de aguçado espírito e fina inteligência, colaborador de “A Luta” de Brito Camacho, coube-lhe após a implantação da República, substituir em Londres um dos mais icónicos diplomatas de então, o Marquês de Soveral.

Apanhado no turbilhão político da I República, assumiu um relevante papel diplomático na participação portuguesa na I Grande Guerra como aliado da Velha Inglaterra. O germanófilo Sidónio Pais não lhe perdoaria. Brito Camacho também não. Mais tarde (c’est la politique), foi nomeado ministro de Portugal em Madrid, regressando de novo a Londres, assumindo depois funções na Sociedade das Nações. Veio a ser Presidente da República de Agosto de 1923 a Dezembro de 1925.

Cansado da intriga política, resigna ao seu mandato e exila-se definitivamente, não mais regressando a Portugal. Em Bougie, na Argélia, dedica-se então aos prazeres da vida e da escrita. A propósito do seu livro “Novelas Eróticas”, Camara Reys (da Seara Nova), desvenda numa belíssima carta manuscrita, datada de Dezembro de 1950 (cujo original me passou pelas mãos), o porquê de, já nessa altura, ser a 1ª edição, uma raridade para bibliófilos.

Os escritos de Manuel Teixeira-Gomes, autor de uma vasta e deliciosa obra revelam-nos uma figura de alguém que passou e se passeou pela vida. Fez política, sem ser propriamente um político. Teve mundo. O seu mundo.

“… chegado a esta amável e amorosa Florença, da qual não vejo modo nem vontade de sair… agora nenhuma espécie de sciência ou conhecimentos me é necessária ou exigida, por isso que nenhuma obrigação me toca de saber seja o que for; vivo na «ignorância absoluta», e ninguém dá por tal nem se importa. Os preceitos sociais, os fundamentos da opinião, os votos de louvor ou censura, tudo quanto liga ou desliga os membros duma humidade(?) culta, me é alheio, ocioso ou inútil… Sendo naturalmente esquecido, nem mesmo o meu recente passado de escravo me vem importunar, com os seus maus ressaibos; até a lembrança dos dias da Presidência raro me acode à memória, e, se isso sucede, logo a repilo com tédio, como se se tratasse de um extenso lodaçal, que atravessei milagrosamente sem nele me afundar….”, do livro Agosto Azul, A Liberdade Reconquistada, carta a João de Barros, Florença, 1 de Agosto de 1926.

adelino pires

8.Out.24

Livros de M. Teixeira-Gomes, disponíveis aqui: https://doutrotempo.com/autor/m-teixeira-gomes/

Partilhe nas redes sociais
0

Carrinho